esboço para p. (I)


adiar a luz

a trama frágil do dia claro 
que no agreste coração da pedra
luz

azul ténue, quase

azul estranho
devagar.

adiar o dia

a semente húmida na terra e
em silêncio,
devagar

acontecer.

devagar acontecer
rude e estranho

pressentimento.


Agosto 2018, 21
bL

nocturno 7 | outubro.20


"I want to cross over, I want to go home 
But she says, Go back, go back to the World"


The Night Comes On, Leonard Cohen
.....


foto: nocturno 7 | outubro.20
bL

a casa (V)


como carvão que se ateia na casa

lume em silêncio, tão
ténue como a chama da vela acesa

no veio, na voz, na terra

no afluente
que se desfaz, intermitente,
no arco da mão escrevia:

esta casa é o fragmento
o alicerce saliente, 

o que sobra
da matéria do tempo.


Fevereiro 2017.08


a casa (IV)


esse silêncio instável

percorrendo veloz [como
luz

na textura]

como luz apátrida
na textura do tempo,
exíguo instante

em silêncio,
como se o vestígio da casa pudesse acontecer enquanto

a voz diluída
no prego em ferrugem

acontecia, cinza pálida

na haste da casa
acontecia, intacta na voz

adiada na pedra,
a linha, o traço, o corpo vivo

nascida alma corpo inteiro

vestígio,
textura instante

de raiz que cresce intacta
em silêncio,

em instável silêncio


Janeiro 2017.24


a casa (III)

Tentava escrever

as casas, o movimento das casas, as casas
que se movem

translúcidas,

como vértebras de rios
em liquido amniótico,
traços, espinhos de pedra e barro, terra cravo

traços, argila e água, enquanto
escrevia o corpo, a noite

a noite fechada, a luz
na raiz da luz, por colher

caminho, amarelecido e gasto, por guardar,
como diários de quem não se soube escrever no tempo

de quem se esqueceu do seu único

e primeiro grito,

adiado no projecto da lágrima, na história instante
da raiz que cresce intacta, por guardar

na voz. Na voz

a tinta permanente,
o silêncio

que tentava escrever


Janeiro 2017.24


a casa (II)

Acontecia

áspera [na linha tinta,
no delicado traço da geada]

a cicatriz do tempo, a casa

o tronco, o rosto
a haste. E na raiz do corpo
a casa. E na matriz da luz

os movimentos da casa, a casa
em silêncio

como se na quietude da casa
o vestígio de azul poema no livro pudesse acontecer enquanto

escrevia os quartos desarrumados pelos corpos magros

que por entre as sombras
[por entre as sombras espúrias]

são linhas ausentes de astros e claridades,
linhas incertas

de luz,
matriz da luz, retratos ou mapas que escreviam o tempo

no tempo;

eram linhas trémulas,
e contudo tão concretas

como instantes, os movimentos da casa


Janeiro 2017.18


a casa (I)




Tentava escrever

com a minha mão direita,
com a minha mão esquerda, alma corpo inteiro

a casa, os movimentos da casa, a casa

o osso aparente, a vértebra em silêncio,
a côdea dura do lume apagado, resíduo
da dobra da cal descosida na sombra, a sépia

como se em silêncio o vestígio da casa
pudesse acontecer enquanto

escrevia a janela, a luz, a pedra, a brisa
o sopro da cinza vaga do livro

[o azul poema do livro]

a mesa aberta às sobras do norte,
a poalha transparente

na mão do rio,
a margem agitada

a casa, os movimentos da casa, o osso aparente da casa.


Enquanto tentava escrever,
acontecia

a casa.


Janeiro 2017.18